Compromisso público com a transparência aumenta
No setor privado, cultura de prevenção evita correr riscos desnecessários de compliance
Ainda que difícil de medir, a corrupção envolvendo o setor privado permanece alta, conforme organizações internacionais, afetando cadeias inteiras de suprimentos, elevando custos, entre outros danos. De acordo com a última pesquisa global sobre o tema da PricewaterhouseCoopers (PwC), que há 20 anos levanta dados sobre crimes econômicos e financeiros, 46% das organizações consultadas relataram vivenciar algum tipo de problema desta natureza. Fraudes, por exemplo, têm aumentado significativamente no setor da tecnologia, conforme a pesquisa nos últimos três anos. A própria PwC está sob escrutínio, por ter feito auditoria nos balanços da Americanas, com inconsistências bilionárias.
Para apoiar empresas nesse campo e ajudá-las a avançar em suas agendas de integridade e compliance, o Pacto Global da ONU no Brasil lançou, em dezembro de 2021, uma iniciativa pioneira, o Movimento Transparência 100%. Trata-se de uma mobilização que conta com 35 empresas e apoio das organizações Transparência Internacional, Instituto Nova Maré, Brasscom e Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Ao aderir ao movimento, a empresa assume compromisso com as melhores práticas anticorrupção, como meta de atingir transparência total nas interações com a administração pública.
Segundo dados da plataforma Observatório 2030, também do Pacto Global, que compila amostras de dados de empresas e setores econômicos, o país apresenta avanços na agenda, como aumento no número de funcionários treinados em ações anticorrupção, com destaque para o segmento de TI e telecom, além de maior adoção de políticas para prevenir participação em esquemas de lavagem de dinheiro. Em relação aos treinamentos, o percentual de funcionários capacitados em integridade saltou de 33%, em 2018, para 59%, em 2020. Apesar das conquistas recentes, existem desafios a superar.
Para Patrícia Pinheiro, membro do Comitê Consultivo do movimento e sócia-fundadora do escritório Peck Advogados, um dos papéis centrais da iniciativa é estimular as companhias a fazerem mais do que a lei exige. Ela ressalta, porém, um aspecto crítico na governança corporativa brasileira: a subutilização do canal de denúncias. “Estamos amadurecendo, com mais estrutura e equipes, mas travamos em relação ao uso efetivo do canal. Percebo que existe bastante receio em explicitar alguma informação, como se houvesse medo mesmo. Me questiono como vamos estimular o uso deste importante canal”, afirma.
A especialista ressalta, ainda, que a iniciativa privada precisa quebrar barreiras culturais já que, em muitos casos, empresas que adotam códigos de conduta ética são subsidiárias que seguem modelos desenhados fora do país, ou empresas nacionais que tomam providências após alguma crise ocorrer, de forma reativa. “O ideal é agir de antemão e mostrar as iniciativas. Ainda precisamos superar nossos bloqueios porque há um cum certo tabu em publicizar indicadores da transparência, por exemplo”, observa.
Na esfera pública, Minas Gerais tornou-se referência no assunto com a Política Mineira de Promoção da Integridade (PMPI), instituída por decreto no ano passado. Apesar de nova, a política, inédita no país, já elevou a posição do Estado para o primeiro posto no ranking Escala Brasil Transparente, da Controladoria Geral da União (CGU). Até então, o Estado ocupava o 20º lugar na metodologia tradicional do órgão.
“Antes, o governo só cumpria a legislação. Quando nós assumimos, fizemos um diagnóstico e levantamos tudo que poderia ser melhorado para alcançar as melhores práticas possíveis. Demos transparência, por exemplo, ao histórico de salários dos servidores, algo não exigido pelas normas, e aos voos do governador”, explica Rodrigo Fontenelle, controlador-geral do Estado. Ele antecipa que a próxima tarefa da CGE, prevista para os próximos meses, é dar transparência às notas fiscais das compras públicas, atendendo a um pleito de organizações da sociedade civil da causa anticorrupção.
Entre as multinacionais operando no Brasil, a gigante alemã Siemens destaca-se com uma estrutura de compliance robusta cujo rigor estende-se aos parceiros de negócios. Alinhada à governança global, a subsidiária possui um departamento exclusivo da área que analisa denúncias, inclusive casos de violações de direitos humanos, com garantias de sigilo e não-retaliação ao denunciante. Gustavo Ferreira, gerente executivo da unidade no país, explica que a política da empresa é baseada em três pilares: prevenção, detecção e resposta. Ele conta que todos os funcionários comprometem-se com o código de conduta ética e passam por treinamentos frequentes.
Com 85 projetos envolvendo transparência em execução pelo mundo, a empresa aderiu ao movimento do Pacto Global da ONU no Brasil durante o evento Ambição 2030. Pablo Roberto Fava, CEO da Siemens Brasil, comenta que certas práticas habituais em vendas são chamadas de compliance, mas não são. “É preciso deixar claro que a verdadeira transparência está na cultura de prevenção, que evita correr riscos desnecessários. Grande parte dos nossos esforços está em prevenir”, ressalta o executivo.
Para este ano, um dos projetos da empresa é adaptar um jogo de sucesso que criou para crianças e para o contexto juvenil, com intenção de estimular a ética entre seus estagiários. O jogo testa a honestidade dos participantes ao apresentar situações corriqueiras e perguntar o que fariam diante de certos dilemas.
Matéria publicada originalmente no Jornal Valor Econômico.